
Uma conversa sobre os desafios do RH (com Juliana Rissardi)
Dado os últimos tempos de quarentena, muitos profissionais da área de Recursos Humanos se depararam com novos desafios, sobretudo, agravado por um fator em comum nas empresas: o distanciamento social. Afinal, se as relações de trabalho passaram por tantas mudanças recentemente, estamos diante de uma série de rupturas que afetarão o mercado como um todo. Questões que envolvem desde novas estruturas, competências, cuidados com a saúde mental ou comportamento organizacional, demonstram que diante desse cenário chamado novo normal, os times de RH terão ainda mais importância na linha de frente da retomada das atividades. Então, o que fazer agora e quais os próximos passos?
Este é um dos pontos de partida que a mentora em processos de desenvolvimento pessoal, Juliana Rissardi, tem trabalhado com seus clientes frequentemente. Em uma entrevista realizada por Fernando Mendes (gestor de marketing da Célebre Corretora), compartilhamos um pouco dessa visão, além de como os profissionais podem lidar com isso. E aí, vamos desbravar juntos?
[Fernando Mendes] Juliana, de certa forma, o mundo antes mesmo da pandemia, já convivia com uma série de transformações nas relações de trabalho (seja por meio de revolução digital ou através da adoção de novas práticas de gestão de pessoas). É correto afirmar que essas mudanças serão aceleradas por conta da pandemia?
[Juliana Rissardi] Sim, não tenho dúvida. A pandemia inevitavelmente, interferiu de forma abrupta em nossas relações sociais e certamente trouxe uma série de desafios para as organizações. Não estávamos em certa medida preparados para uma série de implicações para o home office, para as restrições de mobilidade, para interrupção de atividades. As empresas precisaram agir rápido e agora mais do que nunca, buscar refletir após a pandemia quais dessas ações poderão ser políticas definitivas.
[FM] O home office sem dúvida é um dos temas mais abordados na pandemia. Como você analisa essa prática nesse momento?
[JR] É importante destacar que a aplicação do home office não se deu como uma alternativa nesse momento e sim como uma imposição. Uma recente pesquisa pela Cushman e Wakefiel (que é uma empresa global de serviços imobiliários da área comercial), aponta que cerca de 85% dos executivos no Brasil enxergam mais vantagens do que desvantagens no trabalho remoto e para 78% das empresas entrevistadas, o home office será adotado de alguma forma após a pandemia.
O grande ponto em discussão é como se dará essa transição. É importante destacar que as organizações deverão analisar com muito critério os impactos de uma medida compulsória, ou seja, que torne o home office como uma prática estabelecida a todos os setores da empresa, sem distinção. É preciso olhar sob a perspectiva do colaborador e da cultura da empresa. Se por um lado precisamos observar se a empresa está madura suficiente para lidar com essa nova dinâmica, por outro lado, precisamos ver como será essa preparação para o colaborador quanto aos recursos tecnológicos, o aparato de ergonomia para ter uma estação de trabalho adequada e sobretudo a orientação comportamental quanto a disciplina, a organização e a gestão do tempo que esse novo formato impõe.
[FM] Sobretudo, porque por vezes, o funcionário possui uma dinâmica e uma rotina familiar muito particular, não é mesmo?
[JR] Sem dúvida. O Brasil possui uma conjuntura familiar diversa que envolve, filhos, parentes e por vezes, uma estrutura domiciliar que não está adequada para o colaborador exercer suas funções de maneira plena. O ponto chave nessa política é a adequação das necessidades de cada profissional, principalmente no que tange ao seu escopo de atividade. Há um consenso de que o departamento de RH será a peça central nessa avaliação entre atribuições, liderança e acima de tudo, se o modelo de negócio e amadurecimento organizacional da empresa permite essa modalidade.
[FM] Atenua o fato que a discussão vem justamente num momento delicado, onde a pandemia trouxe o isolamento social, o medo da doença em si e todo o contexto econômico fragilizado pela interrupção das atividades econômicas em diversas frentes, o que agrava a preocupação com a perda do emprego. Como as empresas devem se preparar para lidar com a saúde mental dos seus times?
[JR] O tema da saúde mental vem sendo abordado com cada vez mais frequência nas organizações. Como mostra a pesquisa recente da OMS e outros estudos, defendem que ainda esse ano o número de afastamentos do trabalho por doenças ligadas à saúde mental já irá superar qualquer outra licença. Isso se agrava com a pandemia e cria um cenário preocupante dentro das organizações que deverão em breve retomar suas atividades e a consequente cobrança por resultados. Nesse sentido, a abordagem mais adequada utilizada por consultores, psicólogos e gestores de RH, tem sido o que chamamos de “segurança psicológica”. Precisamos acolher o colaborador, ouvir seus anseios não somente do ponto de vista profissional e de certa forma saber conduzir suas expectativas nesse momento agindo com transparência. Nunca foi tão importante as práticas de feedback, de escuta ativa, pois grande parte das empresas ainda não possuem programas efetivos de conscientização e prevenção que tratem especificamente de transtornos ligados a ansiedade, depressão e burnout, só para citar alguns. Sendo assim, a liderança desempenhará um papel fundamental.
[FM] Bom você tocar nesse ponto. O papel do gestor já vem sofrendo diferentes transformações no âmbito estrutural, com hierarquias cada vez mais horizontais e metodologias ágeis que acentuam uma visão cada vez mais orientada para projetos, squads, resultados. Certamente essa gestão remota de times e os cuidados com a segurança psicológica desafiam ainda mais esse novo líder dentro das organizações, certo?
[JR] Não só isso. As relações de trabalho estão sendo alteradas na sua forma de contratação. As mudanças nas leis trabalhistas somadas a abordagem de novas metodologias de trabalho que você citou, criam um novo ambiente para contratação de profissionais e sua relação com a entrega de resultados. A crise econômica no Brasil empurrou uma série de profissionais em diferentes posições ou formações, a se tornarem empreendedores e criarem suas próprias microempresas (MEI). Estamos falando de uma taxa que no Brasil cresce a uma média de 15% nos últimos três anos.
Essa mudança, que num primeiro momento pode ser analisada somente pela necessidade do indivíduo gerar alguma receita, também possibilitou que diversos profissionais tivessem uma nova concepção de trabalho e sua relação com tal atividade. Estamos falando aqui de um mesmo profissional ter simultaneamente duas ou até mesmo três carreiras. Mas como? Em função de jornadas cada vez menores, onde sou pago por hora trabalhada. Trouxe todo esse contexto para retomar o assunto da liderança, pois as jornadas de trabalho como conhecíamos estão se alterando de forma sensível. Os instrumentos para gerenciamento de performance, serão cada vez mais direcionados para um planejamento assertivo de metas e objetivos e com ferramentas que suportem essa gestão remota por meio de indicadores de desempenho e produtividade. Dessa forma, os líderes serão desafiados a criar em seus times, um ambiente propício a cobrança por resultados com muito equilíbrio frente as fragilidades estruturais e sociais que a pandemia apresentou. Mais uma vez, a área de Recurso Humanos se coloca em uma posição estratégica para levantar essa bandeira e construir uma cultura organizacional forte, frente a esse momento de transição de mundo que estamos vivendo.
[FM] Faz todo sentido, viu? Muito obrigado, Juliana! Que possamos desbravar esse novo cenário juntos.
[JR] Eu que agradeço pelo espaço e a oportunidade de compartilhar um pouquinho do que estamos presenciando nessa retomada de atividades corporativas, estando na linha de frente das empresas por aí. Até a próxima!
Juliana Rissardi é administradora pela PUC-SP, mestranda pela Fundação Getúlio Vargas, com mais de 15 anos de experiência em RH e Gestão de Pessoas. Atualmente é palestrante e consultora em Liderança, Carreira e Desenvolvimento Pessoal. Além disso, é instrutora de Mindfulness e apresentadora do podcast Cada um, Cada uma, onde debate sobre o desenvolvimento humano para quem está a fim de ir além e evoluir sempre.